"ÍNDIO QUE FAZ ISSO, TIA!"
Autoras: Eliete Marcelino e Elisangela Rodrigues
Pedagogas e Pós-graduadas em Educação Indígena -UFF
A questão indígena entrou em nossas vidas de maneira bem diversa. Enquanto uma sensibilizou-se com a causa, durante a adolescência, quando teve que fazer um trabalho no Ensino Médio sobre as influências das culturas indígenas na cultura brasileira, a outra sofria preconceitos na escola, desde a infância, por ser diferente, por ser descendente direta de indígena. Passando por constrangimentos perante os colegas e sendo obrigada a calar-se quando questionava, em casa, sobre seus antepassados. O encontro se deu no curso de pós-graduação da UFF, especialização em Educação Indígena. Em seguida, ambas foram chamadas para trabalhar na mesma escola de educação infantil do município de Niterói.
Trabalhar as culturas indígenas com crianças da educação infantil foi um desafio enfrentado por ambas durante os seus quase três anos na rede municipal de educação de Niterói. De acordo com os referenciais curriculares nacionais para a educação infantil é de extrema importância desenvolver nas crianças dessa faixa etária o respeito pelo diferente. Apresentar as diferentes culturas existentes em nosso país é uma maneira de promover o diálogo entre as partes (indígenas e não indígenas), preparando esses pequenos indivíduos para respeitar e valorizar as diferentes culturas. Muitas descobertas foram feitas pelas crianças do grupo 6, com 5-6 anos em 2007 no projeto da Prof.ª Elisangela: Jogos e Brincadeiras Indígenas, que surgiu diante da fala de uma criança que disse: "índio não é gente porque come gente". Diante desse comentário, passou-se a fazer comparações em relação ao cotidiano dos índios e não-índios. Já no ano seguinte, no grupo 4, com crianças de 3-4 anos, ambas iniciaram o projeto pedagógico intitulado "Índio que faz isso, tia!". Essa frase foi dita após a indagação de um colega a respeito do barulho produzido pelo ato de bater a mão na boca enquanto se emitia um som, como faziam os índios, segundo seus saberes prévios.
O nosso objetivo maior é instigar as crianças para o respeito às diferenças. É fazê-las entender que existem inúmeras maneiras de se viver, de se ver o mundo, de lidar com as coisas do mundo e de falar no mundo. Para tanto, oferecemos a oportunidade de conhecer algumas culturas de algumas das centenas de etnias indígenas existentes no Brasil a fim de promover: o conhecimento para gerar o entendimento; o entendimento para levar ao respeito e o respeito para que seja verdadeira a valorização desses diferentes.
A escola tem um papel fundamental de mediação para que a comunicação entre os diferentes aconteça de forma respeitosa entre as partes. Pensando nisso trabalhamos com projetos pedagógicos envolvendo toda a comunidade escolar, principalmente nossa turma de crianças de 3 a 4 anos de idade. Utilizamos como metodologia: a contação de histórias, mitos e contos indígenas de diferentes etnias do Brasil e de autores indígenas; Entrevistas e a visita de um grupo indígena Pataxó oriundos da aldeia do sul da Bahia; Oficinas de argila, de pintura corporal, de brinquedos e brincadeiras, de danças e de músicas indígenas; Degustação de alguns dos principais alimentos indígenas – mandioca e milho; no mini-projeto "É preciso amar a terra" incentivamos o plantio e o cultivo de milho, tomates e de flores pelo jardim da escola, além de confeccionar um puff com garrafas pet e brinquedos com papelão, como o dominó dos bichos e o jogo da memória.
Os melhores resultados temos percebido no dia-a-dia quando as crianças, em suas brincadeiras, imitam a dança, a reza e os jogos indígenas; conversam entre si nomeando os indígenas pela etnia estudada (o Pataxó, o Guarani e o Munduruku foram os principais) e não mais pelo termo geral ÍNDIO; Cuidam das plantas espontaneamente, repetindo que é preciso dar água e colocar terra; observam e comentam as transformações no céu, no tempo; olham com o olhar curioso de um pesquisador para os pequenos bichos da natureza, num movimento de apreciação e cuidado. O envolvimento da comunidade escolar foi muito marcante. Uma das funcionárias da escola disse: "Achei uma experiência interessante e enriquecedora com as crianças. Uma oportunidade de vivenciar culturas diferentes. Já está despertando o respeito pelo ser humano em primeiro lugar, e pela causa indígena, que a gente vê tão desvalorizados, tão massacrados historicamente, quase dizimados".
É preciso transformar a nossa sociedade, vezes tão preconceituosa e mesquinha de valores e de práticas de cidadania, garantindo a comunicação entre os diferentes (os indígenas e os não indígenas). As crianças levam para casa aquilo que aprendem e envolvem sua família também. "Estou aprendendo muito sobre os índios com meus filhos..." disse a mãe de dois alunos.
Este relato de experiência foi apresentado e publicado nos anais do Projeto Saúde e Educação para a Cidadania - CCS/UFRJ.
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